
Por Gabriela Simon e Patricia Alves
Em 26/11/2025 foi sancionado o Projeto de Lei nº 1.087/2025 (PL 1.087/2025) que trata da Reforma do Imposto de Renda.
O tema da tributação dos lucros e dividendos é debatido há décadas no Brasil e a discussão progrediu muito em 2025, saindo do campo das hipóteses e se tornando uma mudança impactante.
O texto aprovado traz dois pontos que mudam o cenário da tributação da renda no Brasil: (i) a isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física para R$ 5.000,00; e (ii) a tributação das altas rendas e dos dividendos.
A consequência é clara — empresários, fundadores, sucessores, investidores e conselhos de administração precisam reavaliar políticas de distribuição de lucros, governança societária e planejamento tributário.
Principais alterações
Na redação aprovada foi criada uma alíquota mínima para as pessoas que têm renda acima de R$ 50 mil por mês, ou R$ 600 mil por ano em lucros e dividendos, da seguinte forma:
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- Incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de 10% sobre lucros e dividendos distribuídos a sócios quando o conjunto de pagamentos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física ultrapassar R$ 50.000,00 por mês (independentemente da quantidade de pagamentos no mês).
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- A mesma alíquota (10%) incidirá sobre remessas de lucros/dividendos para o exterior.
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- O imposto retido na fonte (IRRF) não admite deduções, mas o montante retido poderá ser compensado no cálculo do imposto anual devido pela pessoa física (IRPF).
O mecanismo de compensação – entre IRRF (pago pela empresa) e IRPF (pago pela pessoa física) – criado pelo Projeto de Lei é uma admissão da necessidade de se proteger o contribuinte da tributação excessiva sobre a mesma base de cálculo.
Além disso, os lucros e dividendos devidos até 2025 ficam fora na nova regra. E esse dinheiro, apurado até o fim deste ano, poderá ser distribuído aos sócios até 2028, sem cobrança do imposto. Já os lucros e dividendos apurados a partir de 2026 serão tributados.
Importante destacar que o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) se manifestou por nota técnica, demonstrando que o PL nº 1.087, de 2025, exige procedimentos incompatíveis com a legislação societária e com as Normas Brasileiras de Contabilidade, especialmente em relação à exigência de aprovação societária até 31 de dezembro de 2025 para garantir a isenção, o que é tecnicamente inviável.
A nota técnica do CFC esclarece que não é possível aprovar resultados antes do encerramento do exercício. Adicionalmente, destaca que vincular a isenção tributária ao momento da deliberação societária viola o devido processo contábil, compromete a fidedignidade das demonstrações financeiras e gera insegurança jurídica.
O CFC sugeriu o veto de partes do Projeto de Lei que violem as normas contábeis, mas o projeto foi sancionado sem vetos, o que pode gerar questionamentos judiciais.
Esses pontos alteram de forma substancial as decisões societárias e a forma de remuneração dos sócios, tendo em vista que distribuições elevadas deixam de ser automaticamente “isentas” no beneficiário pessoa física.
Os impactos do PL 1.087/2025 em relação aos dividendos podem ser resumidos da seguinte forma:
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- Empresas com sócios que recebem distribuições mensais elevadas (vários sócios, holdings familiares, administradores que recebem grande parcela da remuneração via dividendos) podem ter um aumento imediato da carga fiscal sobre a remuneração;
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- Pagamentos transfronteiriços (remessas de lucros para pessoas físicas no exterior) passam a ter tratamento explícito na proposta — isso afeta grupos com investidores estrangeiros ou expatriados.
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- A norma influencia decisões de remuneração (pró-labore vs. dividendos), política de retenção de lucros, distribuição de reservas e instrumentos contratuais (acordos de sócios; políticas de dividendos) — com efeitos diretos sobre fluxo de caixa pessoal dos sócios/acionistas.
Para as empresas, a nova tributação pode incentivar a retenção de lucros ou a busca por mecanismos alternativos de remuneração de capital (pró-labore, stock options e JCP).
A tributação de 10% sobre dividendos pode tornar mais atrativo o pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP), por exemplo, mesmo que o JCP seja tributado, a dedutibilidade na base de cálculo do IRPJ e da CSLL na pessoa jurídica pode torná-lo uma alternativa mais eficiente.
Esse efeito de substituição de mecanismos de remuneração demonstra como a política tributária pode moldar o comportamento corporativo e o fluxo de capital.
Do ponto de vista jurídico, o projeto reabre a discussão sobre o conceito de bitributação. Embora o mecanismo de compensação entre IRRF e IRPF tenha sido desenhado para mitigar esse efeito, sua eficácia e robustez ainda serão objeto de debate.
A tese de que o imposto já foi pago pela empresa sustenta que qualquer nova tributação sobre o mesmo lucro, ao ser distribuído, seria inconstitucional por confiscar a renda ou violar o princípio da capacidade contributiva.
A legitimidade da nova tributação dependerá da forma como o mecanismo de compensação efetivamente evitará a tributação excessiva; inclusive a nova sistemática pode gerar muitas discussões judiciais sobre a legalidade e constitucionalidade da cobrança, aumentando o contencioso tributário – que já é bastante excessivo no Brasil.
Em um contexto mais amplo, o PL 1087/25 não é uma medida isolada, mas se alinha com um movimento mais abrangente de Reforma Tributária no Brasil, que inclui a mudança dos impostos sobre o consumo (LC 214/2025).
Diante desse cenário, o Planejamento Tributário será imprescindível para pessoas físicas e pessoas jurídicas que distribuem ou recebem lucros e dividendos.
O Debate sobre a Tributação de Dividendos no Brasil
Desde a Lei nº 9.249/1995 (efeitos a partir de 1996), a distribuição de lucros e dividendos no Brasil é isenta de Imposto de Renda da Pessoa Física. Esse tratamento é a base do planeamento societário e da governança de muitas empresas brasileiras há quase três décadas, além de beneficiar os investidores que obtém rendimentos com o mercado de ações.
A lógica aplicada à isenção do IRPF sobre dividendos, não é conceder um simples “benefício fiscal”, mas sim alterar o “momento da tributação da renda”. A justificativa é que o lucro já foi tributado pela pessoa jurídica (empresa), através do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A distribuição subsequente desse mesmo lucro ao sócio seria, portanto, isenta para evitar a bitributação econômica — a tributação da mesma riqueza em duas etapas da cadeia de valor. Essa “completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica” buscava simplificar o sistema tributário, concentrando o imposto na fonte produtora da renda.
A percepção de que a isenção de dividendos era um privilégio para os ricos ignora esse racional técnico-jurídico. A isenção foi concebida para evitar que a mesma parcela do lucro fosse tributada duas vezes, uma vez na empresa e outra na pessoa do sócio.
A tributação sobre lucros e dividendos no Brasil tem sido um tema central e recorrente no debate econômico e fiscal. A discussão atual, no entanto, é impulsionada por uma iniciativa legislativa com propósito fiscal específico: a necessidade de compensar a renúncia de receita decorrente da medida – popular – de isenção do Imposto de Renda.
As isenções fiscais são renúncias de receita para o governo, ou seja, o Estado deixa de arrecadar impostos que, de outra forma, seriam devidos.
Como as despesas do Estado precisam ser financiadas, a conta dessa renúncia acaba sendo paga por outros setores da sociedade, de forma direta ou indireta. É aquela história, “tira de um lado e coloca do outro”, sempre alguém vai pagar a conta de um benefício fiscal concedido a uma parcela da população.
No caso do PL nº 1.087/25 temos a dicotomia: redução do Imposto de Renda para as pessoas com menor poder aquisitivo, e a majoração da tributação da renda das pessoas com maior poder aquisitivo.
Muitos chamam essa dicotomia de Justiça Fiscal. Entretanto, eu temo que possa ser mais uma medida popular às vésperas de ano eleitoral – mas isso é assunto para outro artigo!
Além da popularidade da medida, a alteração na tributação de dividendos transcende a mera arrecadação fiscal, gerando uma série de implicações econômicas e jurídicas que merecem análise cuidadosa pelos legisladores. O Projeto, ao introduzir uma nova camada de tributação sobre o capital, levanta a questão de se o custo desse imposto será absorvido ou repassado.
A argumentação de que “qualquer imposto é incorporado no preço de custo, e se o preço de custo se torna mais caro, ele é repassado ao consumidor” sugere que a nova tributação não afetará apenas os investidores de alta renda, mas poderá ter um impacto inflacionário difuso.
Isso ocorre porque o aumento do custo de capital para as empresas pode ser compensado por meio de preços mais altos ou redução de investimentos, afetando o crescimento econômico e, em última instância, os consumidores.
Globalmente, a tributação de dividendos é a norma, mas os modelos variam significativamente. A proposta brasileira, ao reintroduzir a tributação na pessoa física com um mecanismo de compensação entre o IRRF (pago pela empresa) e o IRPF (pago pela pessoa física), posiciona-se em um sistema híbrido, buscando conciliar objetivos de justiça social e fiscal com a eficiência tributária.
A reflexão que fica é: o PL 1.087/2025 realmente gera justiça fiscal? A conclusão aponta que a aprovação do projeto exigirá uma reavaliação estratégica por parte de todos os agentes econômicos, em um cenário de contínua incerteza legislativa.
Vamos aguardar como o texto será votado pelo Senado e analisar os reais impactos da medida, de forma difusa e individual.
As implicações dessa mudança são profundas, afetando o planejamento fiscal de empresas e investidores, a atratividade do mercado de capitais e a própria estrutura de capital das companhias.
Como se preparar:
Como já mencionado a tributação dos lucros e dividendos começa a valer em 2026, então é essencial que as empresas e os sócios se preparem.
A seguir uma lista de ações do que já podem ser feitas para mitigar os efeitos da tributação dos dividendos:
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- Mapeamento de distribuições: levantar histórico dos últimos 24 meses de pagamentos a sócios (por empresa e por pessoa física).
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- Simulações fiscais: projetar impacto do IRRF de 10% (ou variações que possam surgir) sobre diferentes políticas de distribuição — mensal, trimestral, extraordinária.
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- Revisão de remunerações: comparar custo-benefício de aumentar pró-labore, remuneração via pessoa jurídica (quando aplicável), JCP, stock options e manutenção de dividendos.
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- Governança e documentos: revisar atos societários (atas que aprovam distribuição, políticas de dividendos, acordos de sócios) para assegurar formalidade e opções estratégicas.
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- Estrutura internacional: para grupos com sócios no exterior, avaliar retenção de lucros, acordos de bitributação e eventuais efeitos de tributação na fonte.
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- Planejamento de fluxo de caixa: recalibrar projeções pessoais e corporativas diante de retenção na fonte possível.
Esses passos demandam integração entre área tributária (advocacia/contabilidade), área financeira e controladoria.
Não é exagero dizer que a janela para ações de mitigação (contabilização de lucros, aprovações societárias, eventual antecipação planejada de distribuição dentro do que for juridicamente permissível) pode ser curta.
Nosso escritório está à disposição para auxiliar na transição tributária.